Quando a Lei autoriza a política de morte

Logo nos primeiros meses do governo bolsonarista, em uma nítida ascensão do populismo penal, o então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou o anteprojeto de lei “Pacote Anticrime”. Objetivando recrudescer a legislação penal, o Projeto constituiu uma nova política criminal feita às pressas para alterar aspectos estruturais do ordenamento jurídico-penal brasileiro, no âmbito de 17 leis, a exemplo do Código  Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal.

Foi aprovado pelo Congresso Nacional e, em dezembro de 2019, sancionado pelo presidente. No entanto, alguns dispositivos ainda não entraram em vigor, haja vista a suspensão por liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, relator das ações diretas de inconstitucionalidade nº 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.

Sob esta linha, os novos art. 14-A do Código de Processo Penal e art. 16-A do Código de Processo Penal Militar receberam poucos comentários, embora tenham alterado significativamente o  procedimento investigatório. Ao determinar aos servidores vinculados às instituições contidas no rol dos art. 142 e art. 144 da Constituição Federal, em razão de ações letais praticadas durante o exercício laboral ou em missões para a Garantia da Lei e da Ordem, a constituição de defensor para acompanhamento e realização de todos os atos  relacionados à sua defesa no inquérito, as alterações afrontaram, diretamente, às garantias  constitucionais devidas a todos os cidadãos.

Isso porque parte-se da premissa de que abrangência restrita da determinação pode potencializar a letalidade policial nos espaços à margem da sociedade: como se o poder estatal autorizasse a ação letal com o respaldo da defesa na investigação preliminar – que possui natureza instrumental, perfazendo mero procedimento e não resultando a aplicação de sanção.

Questiono-me acerca da obrigatoriedade de defesa técnica para agentes da segurança pública e das Forças Armadas e qual seria o interesse nessa impunidade. Considerando que toda e qualquer pessoa é passível de investigação criminal, por quê há desigualdade na transparência da investigação?

Além disso, há pouco mais de 4 anos, a  Lei nº 13.245/16, modificando o art. 7º do Estatuto da OAB e as prerrogativas do Advogado, determinou que qualquer pessoa investigada pode constituir defensor, inclusive a testemunha, caso queira. Esse já era entendimento do Supremo Tribunal Federal em razão do reconhecimento do poder investigatório criminal do órgão ministerial. Ou seja, não há justificativa para a desigualdade instaurada!

Se o próprio chefe do Poder Executivo foca em medidas punitivas e repete o dogma de que “bandido bom é bandido morto” desde a campanha eleitoral de 2018, o que esperar de agentes de segurança pública, à serviço do governo, quanto se tem, expressamente, o respaldo da Lei?

Quando isso acontece, significa dizer que o Estado falhou em sua função e, ao que parece, a criação de políticas públicas parece ser irrelevante para coibir e prevenir a criminalidade.

 O dever de questionar os paradoxos apresentados aqui é nosso, enquanto sociedade, entendendo que o mesmo servidor que produz os massacres na periferia é o mesmo  que se encarrega da prevenção da criminalidade à beira mar. A necessidade de seguir um novo paradigma de políticas de segurança pública salta aos olhos nessa discussão, sendo de suma  importância a criação de mecanismos de responsabilização e controle. No entanto, a redução da letalidade policial não faz parte do foco presidencialista. Não são reformas alternativas e bruscas que solucionarão a questão da segurança pública do país, recrudescer a lei é dar um tiro  no pé. São tempos sombrios.

Por Gabriela Talha

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